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Chega ao fim a aventura georgiana de Diego Dubard! O recifense radicado em Brasília nos deu uma visão única do Rugby na Geórgia, um país de muita história e problemas tão grandes quanto os que enfrentamos aqui, mas que ainda assim, triunfa ano a ano.

Sem dúvida os Lelos devem ser uma inspiração para os nossos Tupis, e a viagem de Diego, uma inspiração para todos que querem viver uma experiência única no Rugby, mesmo que fora das quatro linhas.

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Veja as duas primeiras partes dessa jornada!

Um sonho geogiano

 A lenda “georgiana”

 

“Todo time que quer ser levado a sério no Top 14 tem, pelo menos, um forward georgiano”

Domingo era Giorgoba, dia de São Jorge, uma das datas religiosas mais importantes na Geórgia, e acredite, em um país onde 85% se declara Cristão Ortodoxo Georgiano e o patriarca (algo como o papa deles) Illya II tem 94% de aprovação, o dia do padroeiro é algo grande. Chego cedo ao estádio, pouco depois do meio dia, o jogo estava marcado para as 17 horas. Perto das 15 horas os portões se abrem e o povo começa a chegar. Torcedores de rugby, torcedores de futebol (sim, com fanfarra e camisas da seleção nacional de futebol), país e filhos, muitas garotas com seus namorados.

O jogo estava para começar, os times perfilados no túnel, arbitragem a postos e a bola do jogo. Um comando do árbitro e todos correm para o campo. Por último, os treinadores Milton Haigg, da Geórgia, e Eddie Jones, do Japão, trocam algumas palavras formais, Haigg vai na frente. Uma conversa rápida com o Eddie Jones antes do jogo começar. “Aproveite o jogo, Mr. Jones”, “obrigado, é um belo dia, não é?” E vamos para o campo.

Os georgianos estavam sobre pressão, o sistema de jogo que Milton Haigg tentava implementar, um jogo de defesa no campo do adversário tinha falhado duas vezes. Com Tonga, mais por causa da indisciplina da Geórgia que tomou dois amarelos, e contra a Irlanda, o volume de jogo, especialmente na linha, foram o diferencial. O time jogou os tests com desfalques relevantes. Mamuka Gorgodze (Toulon) e Davit Zirakashvili (Clermont) não vieram para Geórgia cuidando de lesões, Dima Basilaia (Perpignan) quebrou o dedo em um treino e tinha voltado para França.

Agora o adversário eram os Brave Blossoms. Os japoneses tinham vencido a última partida entre os dois times, em 2012, na própria Tbilisi. Mas era Giorgoba, o dia dos georgianos, o dia em que eles venceram os Samoanos em 2013. Perder não era uma opção.

Antes de tudo, o hino. Tavisuplebas (Liberdade) é o hino da Georgia democrática. É uma ode aos anos que a Georgia lutou por sua liberdade, seja contra otomanos, persas, russos. Finalmente livres, os georgianos temem ataques partindo de Moscou. Um dos bons amigos que fiz lá, Sandro Dzegli, gerente de mídia me chamou para me juntar ao staff dentro do campo e cantar com eles o hino, e se você acha o hino da África do Sul difícil, deveria tentar o hino da Georgia, em georgiano.

O jogo em si foi interessante. Os georgianos passaram a jogar o jogo que os favorece, muita força nos forwards, grande domínio nas formações e se aproveitaram do tamanho do seu ponta, Tamaz Mchedlidze, um monstrinho de 1,97 metros e 110 quilos. O tamanho fez diferença. Enquanto os japoneses apostavam na velocidade, a Geórgia jogava conquistando penais nos scrums e nos mauls (de onde também conseguiram um penal-try e um try).

Ficou clara, porém, a diferença de nível entre os forwards georgianos que treinam e jogam nas primeiras divisões de França, Inglaterra e Escócia. Apenas um joga no campeonato local, e os backs que jogam na maioria o campeonato local ou as divisões semi-profissionais da França e Rússia. Até pelo tamanho de seus jogadores, a linha georgiana já teve a fama de ser uma das que melhor defendia, séries de tackles duríssimos, que estalavam e levantavam a torcida. O problema era na hora de atacar, o jogo de mão não é tão rápido como o jogo dos rivais do primeiro escalão europeu, e as jogadas, um tanto previsíveis.

O jogo terminou 35 a 24 para os georgianos, basicamente um jogo onde, nas palavras de Eddie Jones, parecia que era um jogo de homens contra meninos, destacando o tamanho dos Lelos em comparação com os japoneses. Porém algumas coisas precisam ser ditas a respeito do Japão, que sediará a Copa do Mundo de Rugby 2019. O trabalho de Eddie Jones e da União de Rugby Japonesa é fantástico. São guerreiros de verdade, que mesmo com a diferença de tamanho tentou impôr um jogo de velocidade e conseguiu, algumas vezes, equilibrar as formações fixas. Os Brave Blossoms estão fazendo um trabalho sério visando a Copa em casa e não duvidem que eles poderão surpreender, o time que vai para Inglaterra em setembro é bem jovem, equilibrado com jogadores experientes do pacífico.

 

Terceiro tempo

Terceiro tempo é terceiro tempo, e tem o quarto tempo. Com o fim da partida e a vitória dos donos da casa era hora de voltar ao “trabalho”. Acompanhei a coletiva de imprensa e dei uma mão aos japoneses. Fui convidado para o terceiro tempo num restaurante tradicional georgiano, cantoria, muitos brindes, cerveja e vinho georgiano à vontade, comida boa, naquela formalidade necessária. Reencontrei os jogadores do Japão que tinham estado no Wendy’s comendo hambúrguer, vendidos, mas não derrotados. Sorrisos legítimos, desejos de boa sorte. O quarto tempo ficou por conta dos jogadores, para mim outra passagem no Sin Bin, o pub do Rugby na Geórgia, com babu Richie Dixon. Era o quarto tempo dos diretores da GRU. Chegamos com a mesa posta e rodadas de cerveja, chacha, conhaque e, lógico, vinho georgiano rodando.

Os georgianos têm uma fascinação por fazer brindes, é uma tradição bonita, solene. Quem comanda a mesa é o Tamada, a pessoa responsável por organizar a ordem dos brindes. Normalmente o dono da casa ou quem convocou a reunião, ou vai pagar a conta é o Tamada ou designa alguém para o ser. Na mesa, quem manda é o Tamada, ele pode de te fazer beber mais ou suspender sua bebida. E mais uma vez o espírito do rugby se fez presente. O primeiro brinde não foi a vitória dos Lelos, mas a garra e disposição dos japoneses, era um brinde agradecimento, reconhecimento e uma honraria que não seria vista por nenhum japonês. Não era um brinde cortês aos adversários vencidos, até porque não havia nenhum naquele bar. Seguiram-se mais brindes, brindes à amizade, ao Rugby, aos jogadores, ao babu, a mim, por ter vindo de tão longe.

As histórias mais estranhas surgiram, como que o Mamuka Gorgodze foi descoberto para o Rugby enquanto brigava na rua com sete pessoas ao mesmo tempo e estava ganhando (eu dou um desconto de exagero nessa) e um assistente perguntou ao pai dele se não queria que ele jogasse rugby. A história de como um pequeno clube amador local, Devebi, os Ogros, “roubou” os lençóis de um trem para fazer togas romanas e andaram todos os 10 vagões fazendo formações tartaruga e formação em cunha do exército romano, daí a saudação “Ave Devebi”, quando dois jogadores se encontram. Histórias do Rugby na União Soviética, quando se jogava metade do campeonato com neve no campo na Rússia.

Ou mesmo a história do porque a camisa da seleção de rugby da Geórgia sempre tem um ramo de vinhas bordado nas costas. A uva e o vinho são orgulhos nacionais, os primeiros registros da fermentação de uva para produção de bebida são da Geórgia e todos eles juram que o vinho georgiano é o melhor vinho do mundo. São 400 espécies de uvas nativas do país. Sempre que um soldado georgiano ia para a guerra, e em 4000 anos de história foram inúmeras, ele amarrava um ramo de parreira na gola do casaco. “Se eu for morto e não voltar para casa, no lugar onde meu corpo cair nascerá uma parreira e nunca se esqueceram da Geórgia”. Até hoje as camisas da Geórgia carregam a vinha e eles entram em campo para uma batalha.

“Nós vamos jogar contra os All Blacks”, é a resposta quando se pergunta da Copa do Mundo 2015. Para os que pensam que eles esperam a vitória, eles não são tão iludidos. Eles querem apenas fazer um jogo duro. É um orgulho para o Rugby georgiano enfrentar a seleção neozelandesa em 2 de outubro, um orgulho conquistado com muito suor em 2014, com uma vitória em casa contra a Romênia, o vencedor cairia no mesmo grupo dos atuais campeões mundiais. Novamente, perder não era uma opção.

O jogo mais importante, entretanto, é o jogo de estreia dos Lelos na Copa, contra Tonga. Em um grupo com All Blacks, Pumas, Tonga, Geórgia e Namíbia, o vencedor de Geórgia e Tonga terá grandes chances de terminar em terceiro no grupo e garantir uma vaga automática para o Japão 2019. A vaga automática transformaria o Europeu de Nações, que atualmente é o qualificatório para o mundial em um torneio amistoso e no planejamento da GRU forçaria Itália e Escócia a jogar com a Geórgia. Os italianos vem sendo derrotados repetidamente nas categorias de base, onde não tem os jogadores estrangeiros, e os escoceses venceram um jogo muito apertado em 2011.

Outro ponto fundamental no planejamento de desenvolvimento do Rugby georgiano é jogar contra as equipes do Six Nations e aí as opiniões se dividem. Há um grupo que defende forçar a barra, especialmente junto à World Rugby, para que o Six Nations tenha rebaixamento, o que é quase impossível uma vez que a Escócia, um dos fundadores, teria grandes chances de ter que jogar um rebaixamento até pelo pouco apelo financeiro que a Geórgia tem (os ingressos para o jogo não passam de 25 lari – 30 reais), valor inimaginável para os padrões do Rugby europeu. A segunda proposta, esta bem mais realista, era de manter o Six Nations (que tem cinco datas) e fazer a cada quatro anos um campeonato europeu, com as seis equipes do primeiro escalão (Inglaterra, Irlanda, França, Gales, Escócia e Itália), mais os dois melhores colocados do Europeu de Nações, no último ano Geórgia e Romênia). Formariam dois grupos de quatro seleções, semifinais e finais. Seriam ainda 5 jogos.

Viajar e conhecer a cultura e os problemas do rugby em outro país é sensacional. Tantos problemas parecidos, tantas soluções diferentes. O espírito de luta que parece universal no Rugby. Convites e planos para reencontrar os amigos que fiz em 2016, porque esse ano, a gente se encontra na Inglaterra.